quarta-feira, 20 de abril de 2011

Jaime Luiz Zorzi: "A escola ignora quem não consegue aprender"

Se os índices de fracasso escolar brasileiros na tentativa de alfabetização se devessem a distúrbios dos alunos, poderíamos crer numa epidemia. O que ocorre, porém, é uma tendência perversa do sistema de ensino que leva os educadores a não distinguir entre as próprias limitações e as dos estudantes. A necessidade de esclarecer da melhor forma possível as dúvidas dos pais que o procuram para saber se os filhos sofrem de problemas de aprendizagem levou o fonoaudiólogo Jaime Luiz Zorzi a extrapolar os conhecimentos exclusivos da profissão que escolheu. Assim, ele começou a relacionar as informações sobre o funcionamento do organismo humano com uma preocupação quanto à prática de ensino no país. Zorzi graduou-se em Fonoaudiologia na Universidade Estadual de Campinas e, nos cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado que se seguiram, tomou o caminho da Educação, em particular o da alfabetização. Entre as questões relacionadas a essa área, especializou-se nas de ortografia. Ele é diretor do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica (Cefac), em São Paulo, ao qual se liga uma clínica-escola que atende jovens com problemas de desenvolvimento da escrita. Com essa atuação, Zorzi tornou-se um observador privilegiado do que há de mito e verdade nas dificuldades de aprendizagem dos estudantes brasileiros, como ele relata na entrevista a seguir.

Como o senhor passou de uma perspectiva clínica do aprendizado da escrita para uma compreensão social?
JAIME LUIZ ZORZI Muitas pessoas procuram um fonoaudiólogo por causa de problemas ligados à aprendizagem. Isso já nos leva, naturalmente, a entrar em contato com a escola. É fácil perceber que não se trata apenas de uma questão clínica. Na realidade, os verdadeiros distúrbios de aprendizagem correspondem a uma minoria e os falsos têm mais a ver com as circunstâncias da Educação oferecida. Muitas vezes falta ajuste entre as características do aluno e o método proposto em sala de aula.

As causas propriamente orgânicas respondem por que parcela do total de alunos com dificuldades?
Zorzi Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, entre 10% e 15% do total de crianças com problemas de aprendizagem apresentam distúrbios orgânicos. Incluem-se aí quadros importantes de deficiências mentais, auditivas, motoras, visuais e múltiplas, além de casos mais pontuais, como a dislexia. Mas o índice de fracasso escolar ultrapassa15%, atingindo 40% ou mais. E há ainda os estudantes que passam de ano sem ter aprendido corretamente. Nossa experiência de atendimento, por outro lado, mostra que sempre há resposta em condições favoráveis de aprendizagem.

Que exames indicam ou descartam limitações intrínsecas?
Zorzi Idealmente, um diagnóstico desse tipo deveria ser feito por uma equipe multiprofissional, nas áreas psicológica, neuropsicológica, fonoaudiológica e psicopedagógica. Aí temos um conjunto mais ou menos fechado de exames tradicionais. Há alguns opcionais, dependendo do caso, como os psiquiátricos e mesmo uma radiografia ou um eletroencefalograma. Mas uma visão de equipe só é oferecida por serviços particulares (para quem tem condições de pagar) ou pelas universidades. O que costuma ocorrer é a criança ser levada a um profissional e ele solicitar a ajuda de outro. A família poder vir a escolher alguém sem a especialização requerida, ou que divirja da abordagem do primeiro, ou até interromper o processo. Em geral, infelizmente, não se presta a atenção devida ao caso e isso tem drásticas conseqüências sociais e emocionais.

Revista Nova Escola

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